Presidenta   Dilma Rousseff assiste ao desfile cívico-militar de 7 de setembro  acompanhada do neto Gabriel, e da filha, Paula, na Esplanada dos  Ministérios
Dilma Rousseff era um mistério, inclusive para muitos dos que votaram nela para presidente do Brasil há um ano. A maioria pensava que fosse uma criação de seu antecessor, o grande Luiz Inácio Lula da Silva, e que sua imagem, pouco sentimental e nada sorridente, ocultava uma simples administradora que teria de pedir ajuda para se manter no poder. Passaram só dez meses desde que tomou posse, e Dilma, como é conhecida popularmente, conseguiu algo que parecia impossível: sem mudar seu estilo sério e nada complacente, desfruta de 71% de popularidade e ninguém, dentro ou fora, tem a menor dúvida sobre quem manda no Brasil.
A presidente não edulcorou sua imagem  nem sua maneira de trabalhar, diante dos que lhe diziam que a sociedade  brasileira valorizava sobretudo o carisma e a proximidade de seus  líderes. Dilma continua tendo fama de gênio forte, de exigir um trabalho  extenuante de seus colaboradores, de calá-los com um olhar e de gostar  muito pouco das fotos em família. Entretanto, a biografia de Dilma  Rousseff, que completará 64 anos em dezembro, sempre oferece surpresas.  Por exemplo, levou sua mãe, a "verdadeira Dilma", como chama a si mesma,  uma mulher de 86 anos, e a irmã dela, a tia Arilda, de outros tantos,  para morar com ela na residência oficial do Planalto, como faria  qualquer uma das milhões de mulheres que cuidam de seus parentes mais  velhos, tenham ou não irmãos e tenham ou não muito trabalho.
A presidente brasileira chega  habitualmente a seu gabinete às 9h15 e sai depois das 21h, mas nos fins  de semana, sempre que pode, vai a Porto Alegre ver sua única filha,  Paula, e seu único neto, Gabriel. Esse simpático loirinho de 10 meses  apareceu junto com a avó no último 7 de setembro, durante desfile do Dia  da Independência, que ela presidia pela primeira vez, mas só estão  disponíveis algumas poucas fotos de agência. Em muitas ocasiões, Dilma  se encontra em Porto Alegre com o pai de Paula, seu segundo marido, o  grande amor de sua vida, o qual pôs na rua no dia em que descobriu que  esperava um filho com outra mulher, mas com o qual, com o passar dos  anos, voltou a retomar uma boa amizade.
Algumas das pessoas que  assistiram ao mesmo desfile do Dia da Independência proferiram gritos  contra a corrupção e, em pequenos grupos, puseram-se a lavar com água e  sabão as entradas dos ministérios próximos. Mas os gritos não eram  contra Dilma Rousseff; pelo contrário, eram manifestações de apoio à  presidente. Um dos elementos que começa a caracterizar o mandato de  Dilma Rousseff é exatamente a luta contra a corrupção nos altos níveis.  Em menos de dez meses, quatro ministros de seu governo, envolvidos em  casos de corrupção, tiveram de deixar seus cargos. "A presidente não faz  nada para proteger os acusados de corrupção, como poderia acontecer  antes. Deixa-os cair sem pestanejar", afirma um diplomata brasileiro,  que não oculta sua admiração.
Deixar cair o ministro Palocci,  um grande amigo de Lula, que a havia acompanhado durante toda a  campanha, foi complicado. Mas ainda mais substituí-lo por alguém pouco  conhecido, uma mulher, a senadora Gleisi Hoffmann, 48 anos, com fama de  ser tão dura e séria quanto a presidente. Também não foi fácil mostrar a  porta de saída para ministros que pertencem a outros partidos, que  fazem parte da coalizão de governo e são imprescindíveis para o bom  andamento da legislatura. Nesses outros casos, Dilma não teve remédio  senão deixar nas mãos dos próprios partidos os nomes dos sucessores.
"Por que Dilma, de cuja  integridade e inteireza ninguém duvida, se submete a esse tipo de jogo?  Porque assim se joga a política no Brasil", escreveu o jornalista Eric  Nepomuceno. Dilma Rousseff precisa do apoio não só de seu Partido dos  Trabalhadores (PT), como também, e principalmente, do Partido do  Movimento Democrático Brasileiro, o famoso PMDB, onde muitos situam um  importante foco de corrupção.
A principal pergunta que muitos  brasileiros se fazem hoje é se a presidente continuará com essa limpeza.  Ela explicou em certa ocasião o sentido dessa luta, que não é só ético,  mas também pragmático: "Precisamos responder às demandas de um país  emergente profissionalizando o serviço público, promovendo as pessoas de  acordo com seu mérito". "Nenhum país alcançou um alto nível de  desenvolvimento sem reformar o serviço público", insistiu recentemente.  No Brasil, todo mundo sabe que essa reforma passa necessariamente por  diminuir os níveis de corrupção e a grande maioria apoia os passos que  ela está dando nesse caminho, entre eles a batalha que acaba de lançar  contra os supersalários de políticos e altos funcionários, que podem  superar os 25 mil euros mensais em um país onde um salário normal beira  os 300 euros.
Dentro dessa linha se pode  inscrever sua resistência total a qualquer projeto que pretenda  regulamentar a partir do poder o controle dos meios de comunicação. No  4º Congresso do PT, em setembro, houve sérias tentativas de promover uma  lei "para a regulamentação social da mídia", inspirada em outras leis  que foram surgindo nos últimos tempos na vizinha Argentina e em outros  países latino-americanos. "Não conheço outro controle da mídia que não  seja o controle remoto da televisão", brincou a presidente.
Em somente dez meses, Dilma  Rousseff introduziu numerosas mudanças, muitas delas discretas, com seu  habitual estilo sério e, às vezes, inclusive áspero. Ninguém lembra mais  que na noite de sua vitória eleitoral praticamente toda a mídia  brasileira falou na "vitória de Lula", ignorando a própria vencedora. A  única elegante foi Marina Silva, a ex-ministra que dirige o movimento  ecologista, que a saudou como "a presidente de todos os brasileiros" e  lhe desejou sorte. "É verdade que Dilma não teria ganhado as eleições  sem o apoio, militante e dedicado, de Lula, mas também o é que para  governar o Brasil não basta esse apoio. É preciso muito mais", reconhece  um ministro de seu gabinete.
Embora seja verdade que Dilma  não mudou de caráter conforme galgava os degraus do poder, também o é  que seu aspecto físico passou por uma notável transformação, sobretudo  depois de sofrer um câncer linfático, felizmente superado. As fotos  demonstram que a presidente brasileira usa um corte de cabelo muito mais  moderno do que o ostentado alguns anos atrás, de uma cor um pouco mais  clara; que corrigiu sua forte miopia para suprimir os grandes óculos de  sua juventude e que, como muitas compatriotas, recorreu à cirurgia  estética para eliminar rugas e olheiras. Tomou posse vestida de branco e  hoje frequenta "tailleurs" de corte formal, mas de cores vivas.
"Não é fácil ser a primeira  mulher a dirigir seu país. Não é fácil governar um país emergente, mais  ainda se é um país tão enorme e globalmente relevante como o Brasil. O  Brasil está vivendo um momento único, uma grande oportunidade que exige  um líder com experiência sólida e ideias firmes. Dilma oferece  precisamente essa virtuosa combinação. E, além disso, é uma mulher  corajosa, que enfrentou uma ditadura militar e dedicou sua vida a  construir uma alternativa democrática", comenta Michelle Bachelet, outra  mulher que presidiu seu país, o Chile, e que também alcançou índices de  popularidade equivalentes aos de sua colega brasileira.
É bem sabido que a surpreendente  biografia de Rousseff inclui, em sua juventude, uma etapa como membro  de um grupo armado, o que a levou a ser detida e torturada e a  permanecer mais de dois anos na prisão. Curiosamente, são os dois únicos  presidentes latino-americanos em exercício que passaram por uma  experiência semelhante, Dilma Rousseff e o uruguaio José Mujica,  ex-dirigente dos tupamaros, os que melhor aceitam que os movimentos  armados latino-americanos cometeram graves erros, reivindicando ao mesmo  tempo seus companheiros que perderam a vida nos anos de chumbo.
Os dois presidentes, assim como a  própria Michelle Bachelet, que não foi guerrilheira mas também foi  detida e torturada, renunciaram a promover a revisão das leis de anistia  que nos três países amparam os responsáveis da ditadura e provocam  críticas de organizações de defesa dos direitos humanos. Tanto a  presidente brasileira quanto Mujica defendem, em vez disso, a criação de  comissões da verdade, como a que acaba de ser aberta no Brasil, que  estabeleçam os terríveis fatos da ditadura e ajudem a descobrir o  destino dos desaparecidos.
A independência de Dilma é um  dos traços que mais obtêm apoio, inclusive em alguns setores da  oposição, bastante decomposta depois do fracasso de José Serra como  candidato do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). A  presidente fez publicamente alguns gestos de reconhecimento ao  ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que agora não esconde o  interesse por seu trabalho. Dilma propiciou uma maior aproximação nas  sempre problemáticas relações com os EUA, mudou a política para o Irã,  aceitou um corte orçamentário de US$ 50 bilhões assim que tomou posse e  deteve o "contrato do século" para a renovação da força aérea, um  projeto muito próximo de Lula. Tudo isso sem prejudicar sua  extraordinária relação pessoal com seu mentor, que está cumprindo o que  prometeu e desenvolve uma intensa atividade internacional, longe dos  assuntos internos. "A amizade e compreensão entre os dois é real e muito  profunda. Podem discordar às vezes, mas Lula sempre a apoiará e Dilma  sempre o admirará e respeitará", afirma um representante do Itamaraty.
Os que a rodeiam afirmam que é  consciente do enorme poder que tem como presidente da República e que  não tem grandes problemas para exercê-lo. Defende a intervenção do  Estado na economia e a continuidade dos planos sociais para conseguir  arrancar da miséria os milhões de brasileiros que ainda não conseguiram  saltar para a pequena classe média. A demonstração desse poder terá sua  hora da verdade quando tiver de fiscalizar o desenvolvimento das enormes  obras que são realizadas para a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e para  os Jogos Olímpicos de 2016, que se realizarão, pela primeira vez na  história, no Rio de Janeiro. Então deverá ter revalidado seu mandato em  novas eleições. Se tudo continuar como agora, ninguém duvidará de quem  será a candidata.

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